quarta-feira, 18 de junho de 2008


Mulher moderna: Versatilidade e disposição





“Talvez a área acadêmica seja uma das poucas áreas em que não exista nenhum preconceito. Você tem o seu valor, tem a sua formação e deve provar diariamente esse valor seja homem ou mulher”. Essa é a visão de Soraya Ferreira, 43 anos, professora do curso de Comunicação Social da FANOR e vice-coordenadora do Mestrado em Lingüísti

ca Aplicada na UECE. Ela é Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo e bacharel em Letras também pela PUC. A educadora deu entrevista para a Revista Universo e expôs visões interessantes sobre a mulher moderna, a estrutura familiar e o meio acadêmico.

-> Veja a entrevista na íntegra aqui.


UNIVERSO - Como foi a passagem de Letras para Comunicação Social?
Soraya Alves - Eu fiz o curso de Letras porque sempre gostei muito de literatura. Comecei a estudar línguas estrangeiras muito nova e quando entrei na faculdade já falava inglês fluentemente. Tinha vontade de ser professora de línguas estrangeiras e literatura. Então, fiz o curso de letras-inglês, literatura e língua inglesa. Nessa época o curso de Comunicação e Semiótica, na PUC, era muito voltado às teorias literárias. Era um curso que veio da teoria literária e possuía nomes como Augusto de Campos e Aroldo de Campos. São poetas concretos e também tradutores que traçaram uma linha bastante interessante na Universidade. Eles adaptaram o curso de teoria literária para algo que estava bem em voga na época. Os primeiros teóricos sobre a comunicação foram também derivados da literatura e eles fundaram esse mestrado -- aliás, mestrado e doutorado, pois é um programa em Comunicação e Semiótica. Muitas das disciplinas eram voltadas para a análise literária e muitos professores de literatura derivaram do Curso de Semiótica. Essa era a linha que me interessava dentro da analise literária. Eu foquei muito meu estudo na literatura inglesa, principalmente nos autores da modernidade, quando eu fui para o mestrado e depois mais especificamente pro doutorado. Mas é claro que a área da Comunicação me chamava bastante atenção, principalmente a área teórica. Eu gosto muito da análise propriamente dita.

UNIVERSO - Em algum momento ocorreu algum preconceito por ser mulher, ocupar cargos importantes e estar voltada para o ensino superior?
Soraya Alves - Não, isso nunca. Talvez a área acadêmica seja uma das poucas áreas em que não exista nenhum preconceito. Você tem o seu valor, tem a sua formação e deve provar diariamente esse valor seja homem ou mulher. É uma área em que eu nunca encontrei nenhum preconceito.

UNIVERSO – Como é sua relação com a família e com a casa?
Soraya Alves - Bom, tenho dois filhos adolescentes: um rapaz de 13 anos e uma menina de 14 anos. E tenho dois enteados que moram comigo (um garoto de 14 e outro de 18). Estou no meu terceiro casamento e a minha vida sempre foi muito agitada. Eu sempre tento conciliar esse lado ‘mãe, mulher e família’ com o lado profissional. Tanto que já é o terceiro (todos riram). Foi um marido no mestrado, outro no doutorado e agora estou pensando que vou sair para o pós-doutorado. Esse é um companheiro muito legal (risos). Mas, enfim, meu marido é professor, também é um intelectual. Mesmo de outra área ele compreende bem e me apóia. Não seria esse o problema. Eu sempre tentei conciliar. Sempre dei bastante valor e atenção ao meu profissional, mas incluí muito as crianças nesse processo. Muitas vezes levei meus filhos para a sala de aula, pois não tinha com quem deixá-los. Dava um papel, um bloco, mandava fazer um desenho. Quando fazia pesquisas muitas vezes falava com o orientador com um mamando no seio, ficava de madrugada no computador empurrando o carinho com o pé ou estudando e embalando o bebê. Nunca tive problemas em conciliar minha vida profissional com a familiar.

UNIVERSO - É difícil manter a organização da estrutura física da casa?
Soraya Alves - Mais ou menos. Na minha casa agora tem bastante gente, mas eu sempre tive alguém que me ajudasse. Uma empregada doméstica para cozinhar e tudo. Agora mais recentemente nós optamos por não ter mais essa pessoa, porque era muito complicado. Mora muita gente e as pessoas não tinham boa vontade. E uma outra questão é que eu cozinho muito bem, eu gosto de cozinhar. O pessoal não estava gostando da comida feita pela empregada. Tenho mais trabalho porque chego daqui (da Fanor) e ainda tenho que preparar o almoço. Eu sempre deixo alguma coisa adiantada, mas tenho que fazer. Como são quatro adolescentes mais meu marido e eu, então, temos dado conta. Claro que não é aquela perfeição. Eu nunca fui de ficar limpando, olhando nos cantinhos, isso nunca fiz. Mas o básico nós sempre fizemos.

UNIVERSO - Então, como você conheceu seu marido? Como foi a história de vocês?
Soraya Alves - Você quer saber desse último, não é? Do atual? (todos riram) Bom, vou falar um pouquinho... Eu me separei pela primeira vez e me mudei de São Paulo para Curitiba. Então, quando me separei pela segunda vez eu vim para o Ceará. Mas sempre me mudei por opção. Eu queria fugir um pouco do esquema de São Paulo. Era algo que me afetava, muita correria. E também porque a minha filha tinha sérios problemas respiratórios e não se adaptava ao clima de lá. Então, nós fomos para Curitiba, apesar de ser bem mais frio, mas o problema dela era a poluição. Ela se adaptou muito bem e eu comecei a trabalhar na universidade de lá, nas duas áreas, de Letras e de Comunicação. Sempre atuando nas duas. Depois minha irmã se mudou para cá e eu já estava querendo me separar do meu segundo marido. Peguei as crianças e vim. Logo depois que me mudei, conheci meu atual marido numa faculdade em que dávamos aula juntos. E aconteceu a história... estamos juntos há quase cinco anos. Nós convivemos um tempo e depois casamos mesmo. Fizemos o casamento e as crianças adoraram. Meu filho quis falar no casamento e leu um poema que agente selecionou. Foi muito bacana... toda a filharada.





UNIVERSO - Qual sua visão sobre a mulher moderna?
Soraya Alves - Eu acho que é maravilhosa. Ela tem que existir. A gente tem que ter um espaço a ocupar, um espaço interessante. A mulher é intelectual, é capaz como sempre foi. Nós temos muito que agradecer às grandes lutadoras, as revolucionárias, a todas às feministas, às sulfragetes do início do século. Mas eu acho interessante pensar um pouco sobre os discursos dessas mulheres de épocas diferentes e não ficar mais com esse jogo de mulher é isso, mulher é aquilo, mulher é diferente. Claro que somos diferentes, universos totalmente diferentes, mas não achando um melhor e outro pior. A convivência é importante. Cada um dentro do seu próprio universo como eu já disse. E todos dialogando, pois daí sai um discurso com resultado bastante positivo. A mulher hoje tem que assumir diversos papéis, mas o homem também. Porque esses papéis ela não tem como assumir sozinha. Você deve ter um companheiro que te apóie. Meu marido me ajuda a cozinhar, a conversar com as crianças, ajuda em alguma coisa que eu precise na pesquisa, algo que eu pedir a ele. Então, é uma convivência bastante produtiva e interessante. Isso que tem que ter. Não é só a mulher moderna, mas é o homem moderno. É o homem e mulher modernos. É daí que nasce, como já falei, um resultado bastante positivo.

UNIVERSO - Esses casais multifuncionais, que precisam trabalhar, influenciam na desestruturação familiar?
Soraya Alves - Não, eu acho que é o contrário. É extremamente interessante para a família. Porque os filhos vêem, participam do meu trabalho e quando tem algo interessante eu levo as crianças para uma palestra, uma exposição. Ano passado levei os dois para um congresso em Minas Gerais. Eles participaram, viram os trabalhos e depois agente passeou. Eu acho que é muito mais interessante. Discordo completamente dessa questão de desestrutura familiar devido ao emprego do casal. Desde pequenas as crianças sabem que também são produtivas, que elas devem colaborar e que elas tem uma meta na sua vida para encontrar. Mas, claro, não podemos deixar as crianças isoladas do processo. Essa é a questão: você nunca isolar ninguém e nunca se isolar.

UNIVERSO - Os caminhos que você percorreu até agora foram todos planejados ou aconteceram eventos inesperados que trouxeram frutos positivos?
Soraya Alves - A vida da gente nunca pode ser totalmente planejada. Mas, eu tinha uma meta de atuar na área acadêmica quando eu entrei para o curso de Letras. Agora, os caminhos de mudar para outro lugar, conhecer uma pessoa... Isso não dá para prever. Mas, por exemplo, a minha vinda para o Ceará foi extremamente produtiva. Eu encontrei um espaço muito interessante tanto na FANOR como na UECE. Tive oportunidade em desenvolver pesquisas na Universidade Estadual, conheci pessoas muito interessantes, inclusive minha colega Dra. Vera Santiago. Ela é da minha área de pesquisa e sempre me apoiou bastante. Nós desenvolvemos pesquisas juntas e isso foi algo bastante bom para mim. E também associando a vice-coordenação do mestrado, minha principal ocupação, que é muito interessante.

UNIVERSO – Você lembra de alguma situação inusitada na sua carreira ou na vida cotidiana?
Soraya Alves – Não, engraçada, eu não lembro. Nessa luta diária você muitas vezes não presta atenção no que acontece em volta ou não lembra, ou está falando com os alunos e de repente se envolve em situações um pouco desastradas. Eu sou muito desastrada no meu cotidiano. Não consigo guardar coisas, vivo diariamente lutando contra o caos. Porque quando se vive no mundo das idéias o cotidiano fica um pouco caótico. Meu guarda roupa é uma bagunça, eu perco muita coisa e desperdiço muito tempo procurando algo que eu perdi. Mas, coisa engraçada não lembro de nenhuma que eu pudesse contar. Acho engraçadas as questões culturais porque eu sou de São Paulo, mudei para Curitiba e depois pro Ceará. Sou muito preocupada em manter o meu status social e profissional, como profissional e como mulher. O meu marido e eu nos pegamos em bobeiras. Discursões que acabam indo muito para o lado cultural. Eu estava morando aqui há pouco tempo logo que o conheci. Ele estava contando algo para mim da área dele, física, eu tenho um pouco do conhecimento. Claro, como leiga, mas gosto da leitura. Ele perguntou se eu estava entendendo e eu respondi que sim. Um tempo depois ele perguntou novamente e eu respondi que estava entendendo. Aquilo já começou a me irritar. Eu pensei ‘como eu não estou entendendo? Claro que eu estou entendendo, eu estou dizendo que entendo, ele acha que eu sou uma burra?’ Então, era a questão de me sentir diminuída. E continuou a conversa e ele perguntou novamente se eu estava entendendo. Eu respondi que sim. Então ele perguntou pela última vez se eu entendia e eu falei ‘caramba, eu já disse que estou entendendo, eu não sou uma burra’. Então ele disse que era só um modo de falar (todos riram). Você quer manter a sua posição firme como mulher, como intelectual, como profissional. E não deixa que ninguém fique duvidando de você, fique atravessando o seu caminho. Era só um modo de falar, uma coisa mais cultural e regional. Tem essas coisas que posso dizer que são engraçadas. Na minha profissão em cada dia a gente encontra situações que você tem que remanejar, tem que enfrentar. Mas, enfim, algo engraçado, não.

UNIVERSO - Ainda existe alguma realização pendente a ser conquistada pessoalmente e profissionalmente?
Soraya Alves – Sim, muitas. Nós sempre temos que sonhar muito e desejar. Isso movimenta a vida. Bom, no pessoal eu quero viajar muito. Já conheço uma parte da Europa, dos EUA e do Brasil. Só da Região Norte que não conheço muito. Não tenho luxos, não tenho desejos materiais ou jóias. Gosto muito é de maquiagem, eu uso demais. Tenho o básico de roupas e não uso luxos, mesmo. O que eu gosto é de viajar e comer bem (muitos risos). São as coisa que mais gosto. E estudar muito, sempre estou estudando, meu lazer é estudo. Ver filmes, analisar e ler muito. Isso tudo eu gosto de fazer. E é claro participar da vida das minhas crianças, do meu marido. No campo profissional quero fazer muitas coisas. Quero fazer meu pós-doutorado, quero desenvolver muita pesquisa e agora eu tenho necessidade de produzir. Não ficar mais somente no campo da análise e da teoria, mas da produção. Eu comecei a escrever um livro. São histórias da minha família num período assim bem delimitado. Histórias dos primeiros descendentes de imigrantes. Minha família descende desses imigrantes pauperismos que vieram de uma Europa devastada e sem opção. Então, é a historia dos meus avós que já são descendentes italianos e portugueses num bairro especifico de São Paulo. Fatos que vocês não acreditam que possam ter sido possíveis. Privações e conquistas.
É a história dos meus avós, dos meus tios e até dos meus pais. No final da década de 50 e inicio da década de 60. Quero fazer esse projeto junto do meu irmão que trabalha em edição. Eu quero fazer um documentário sobre essas histórias e fazer uma página na internet. E então, fazer um diálogo entre esses três meios. O literário, o meio do documentário e a internet. Vou fazer outros documentários. Eu adoro documentário. Tenho algumas idéias sobre temas aqui do Ceará, de Fortaleza e de cidades periféricas que eu pretendo desenvolver. Eu quero ficar, quero estudar mais e quero produzir nessa linha do documentário. Estou com essa vontade agora. Colocar o conhecimento para fora, para funcionar mesmo, para produzir. No momento, é isso que eu tenho de sonhos e desejos.

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